Conto produzido a partir da proposta 4
Como não resisti, escrevi um dos temas das propostas de redação. Esse é da 4. Pretendo escrever os outros...
ESPERANDO
Naquela manha de sexta-feira minha rotina seguia
trivial. Com as manias de um solteirão de 60 anos, cheguei ao escritório, pedi
um café para a minha secretária e me fechei em minha sala para checar os e-mails do dia. Entre inúmeros spams, contratos e devolutivas de
associados, um endereço estranho, com
uma mensagem de título interessante me chamou a atenção. Escrito em letras
maiúsculas, impossível deixar de ler o título: “VOCÊ AINDA ESTÁ ME ESPERANDO?”.
Foi a curiosidade que me levou a deixar as obrigações
e me dedicar àquele e-mail. Seria
algum cliente, que esqueceu o horário que havia marcado? Diferente dos médicos,
nós advogados de família não estranhamos quando algum cliente não aparece...
Normalmente desistiu do divórcio. Mas, ao ler a saudação inicial, estremeci:
“Querido Pepê...”.
Voltei imediatamente a 1970. Só uma pessoa neste
mundo me chamava assim, e a última vez que a vi, minutos antes de subir ao
altar. Ela me pediu pra riscá-la de sua vida, que nossos caminhos jamais se
cruzariam novamente. Naturalmente ela estava errada. E ao olhar a longa
mensagem, meu coração pulsava entre temeroso e extasiado.
Lúcia sempre foi o grande amor da minha vida. Digo
sempre pois nos conhecemos desde a pré-escola. Seus cachos dourados reluziam ao
sol, enquanto andávamos de bicicleta pela rua de nossa casa. A saia hippie da vizinha do 356 foi a lembrança
mais “descolada” da minha adolescência. Minha companheira de bailinhos, de
trabalhos escolares... estávamos sempre juntos. Todos que nos conheciam davam
como certo nosso casamento, pois viam em nossos olhos a chama inocente da
primeira paixão. Possuíamos amor, mas não dinheiro, e Lúcia, no calor de sua
juventude, tinha uma grande ambição. Foi dessa forma que um encontro casual na
fila de um banco, tirou-a de mim, levando-a, por interesse, aos vinte anos,
tornar-se a nova senhora Fernando Schneider, esposa de um milionário viúvo,
descendente de alemães. Ainda choro ao lembrar-me daquele fim de tarde, na
porta da Igreja Central, em que, com um último beijo, disse a noiva, pronta para
o casamento que ela iria se arrepender, e eu sempre a esperaria... Naquele
começo de noite fria, minhas palavras se perderam ao vento. Fiquei ali,
acompanhado do crepúsculo e da solidão, que me acompanhou por toda a minha vida
sentimental. Esperando Lúcia, nunca me casei.
O e-mail era
amistoso, mas um pouco formal. Contava-me que acabara de voltar da Alemanha,
onde morou os últimos trinta anos com o marido e os filhos. Que tivera um
casamento tranquilo, mas nunca feliz. Que os filhos eram adultos e
bem-sucedidos, mas ela sempre se sentira sozinha e vazia. Que sentia minha
falta. Fernando havia falecido há dois meses e, tomada pela insatisfação de uma
vida vazia, resolveu voltar ao Brasil. Antes, perguntou à sua prima sobre mim,
soube sobre meu trabalho, conseguiu o meu contato e descobriu que nunca me
casei. Decidiu fazer o contato inicial por e-mail, porque depois de tantos
anos, não sabia qual seria minha reação.
Imediatamente, peguei o telefone e disquei os
números de contato que ela havia deixado.
Sua voz continuava doce, embora mais madura e sofrida. Ela sugeriu um
encontro para a mesma noite, em um restaurante próximo ao hotel em que ela
estava hospedada. Desmarquei todos os compromissos da tarde. Já não era capaz
de me concentrar em mais nada.
No restaurante, uma surpresa... Minha amiga, nunca
pontual no passado, chegara antes de mim. De longe, pude observá-la, não mais
loura, seus longos cachos dourados haviam dado lugar a um chanel castanho, de uma
senhora clássica e elegante. Mas, entre os bons modos, o tailleur, e as convenções sociais, reconheci naquela austera
senhora a menina que eu amava. E, quando ela se preparava para um cumprimento
cordial, surpreendi-a com um beijo apaixonado, que a fez se entregar em questão
de segundos. Não preciso dizer que nosso encontro terminou entre meus
lençóis... Na nossa cama, a mesma explosão adolescente de nossos dezessete
anos, quando fazíamos sexo escondido, come medo de nossos pais... Mas, agora,
tínhamos a experiência e a paciência que só a maturidade pode dar.
Nas semanas seguintes ela deixou o hotel e esteve
em casa comigo. Agíamos como recém-casados: mãos dadas, bilhetinhos, beijos
calorosos. Tivemos mais semanas ardentes do que qualquer outro casal. Nunca em
minha vida havia sido tão feliz.
Dias depois, um de seus filhos ligou e pediu que
ela regressasse para a Alemanha, para resolver pendências da partilha de bens.
Seria somente por um ou dois meses, mas a partida era urgente.
E em outro fim de tarde, naquele aeroporto, senti
que aquela seria nossa última despedida. Embora ela prometesse voltar, dei-lhe
o mais sincero de todos os beijos, dizendo a ela que não esquecesse de que
nosso amor ia além da vida. E novamente fiquei sozinho, com o crepúsculo.
Três meses depois, recebi um novo e-mail, desta
vez do filho. Em um Português enrolado, cheio de expressões em alemão, disse
que a mãe havia falecido há uma semana, vítima de um AVC. Estava com as malas prontas
para voltar ao Brasil, e abrira mão de sua parte dos bens para se casar comigo.
Não posso dizer que a vida foi cruel comigo. Eu a
tive, a perdi, a tive novamente e ela se foi. Lúcia foi a luz que iluminou
minha existência e sou agradecido por isso.
Ainda assim, não quero outro alguém. No peso de
meus sessenta e poucos anos, quanto tempo me resta? Dez, vinte, trinta anos? Eu
a esperei por quarenta... Prefiro continuar na certeza de que nosso amor é para
além de nossos corpos, que em algum lugar longe daqui, vou encontrá-la mais uma
vez. Eu cumprirei minha promessa. Ficarei esperando.
Texto de: Janaína Olívia da Silva Cechet, escrito em 23/07/2013
Texto de: Janaína Olívia da Silva Cechet, escrito em 23/07/2013
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