Heróis não morrem- conto de 2002


Heróis não morrem


Eu tinha apenas seis anos quando o acidente aconteceu.
Era dia quinze, e como fazia todos os meses, papai tinha ido a São Paulo cuidar dos negócios da fábrica. Devia chegar em casa no domingo. No sábado à noite, lembro-me bem, começo a chover muito forte. Mamãe ficou aflita; não gostava que papai viajasse com chuva. Ligou para o hotel, mas já era tarde: ele havia partido.
As três da manhã o telefone tocou. Mamãe, que de preocupação não conseguira dormir, correu para atender:
- Alô!
- Alô, Senhora Menezes...
Acordei com os soluços da mamãe. Fui até a cozinha e ali estava ela, debruçada sobre a mesa, aos prantos, não querendo acreditar no que tinha acontecido.
- Mamãe...
- Ah, meu bebê, você acordou – disse-me, enquanto enxugava o rosto.
- O papai já chegou?
- Venha aqui, querido. Precisamos conversar... aconteceu uma coisa que você precisa saber...
Demorou algum tempo para ela me explicar. Eu, naquele momento, não entendi nada. Depois ela me disse para dormir um pouco.
Saímos às oito horas para o cemitério. Estávamos muito elegantes,  ambos com roupas que só eram usadas em ocasiões especiais. E quando chegamos vi todos os meus parentes ali. Minha ingenuidade de criança me fez pensar que aquele momento teria algo de interessante, pois afinal de contas, todos os meus parentes estavam ali, e alguns até tinham faltado de seus trabalhos e usavam suas melhores roupas para compartilhar aqueles infinitos instantes junto conosco.
Mamãe, com a expressão cansada de quem estava vivendo os piores instantes da sua vida, entrou na sala de velórios. Estavam ali a minha avó, a tia Zefa e o tio Cal. Todos eles choravam muito, mas emudeceram ao vê-la chegar. Ela caminhou até o caixão que estava no centro da sala. Os que o rodeavam abriram caminho para que ela passasse, e, como se tivesse perdido o último fio de esperança, mamãe chorou baixinho, enquanto acariciava o rosto gelado do defunto.
Aos, poucos, também eu me aproximei, e vi, naquele caixão, um homem muito grande e forte, que mesmo morto possuía no seu rosto um ar de carinho. Um homem elegante, que, se estivesse ali, em pé, pareceria muito com meu pai.
Mas o homem ali deitado não parecia meu pai. Não, mas era ele, vestido com seu terno especial, que costumava usar quando levava mamãe para jantar.
Quando o reconheci, comecei a chorar e pus minha mão sobre ele.
- Levanta papai, eu te ajudo... – mas ele não levantou.
E naquele dia, vi meu herói engolido por um monstro gigante chamado sepultura, que, dentre todos os males, faz o mais terrível: separa corações.
Na volta para casa, vi um garotinho, ainda menor que eu, jogando bola com seu pai. E naquele instante esqueci da minha dor. Consegui apenas lembrar de como era legal brincar com papai e como me fazia bem pensar nele. Lembrar as histórias que ele sempre me contava, aquelas sobre os grandes heróis que, apesar de sofrerem muito, nunca morriam.
No momento mais triste da minha vida percebi que papai estava certo: os heróis nunca morrem, pois uma parte deles permanece para sempre em nossos corações.

Conto de autoria minha - segundo colocado no concurso literário do COTIL/UNICAMP, em 2002.


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