Uma crônica: Poeira ao vento.
“All they are is dust in the wind” – Kansas, 1977
Às vezes penso que sou uma pessoa jovem de alma velha. Coisas comuns às pessoas da minha idade - músicas, livros, filmes -, não me agradam tanto quanto alguns eternos e antigos clássicos. Minha playlist é um exemplo disso: você não encontrará uma música da década de 2010, mas várias dos anos 70, 80 e 90. E foi uma dessas “old songs” que motivou a minha reflexão.
Se você tem mais de trinta anos, impossível que não conheça a música “Dust in the wind”, da banda estadunidense Kansas. Essa canção tornou-se um sucesso incontestável, sendo regravada por vários artistas, com inúmeras versões em outros idiomas, inclusive em português (que, na minha humilde opinião, deturpou a linda poesia original), fez parte da trilha sonora de novelas e até papel de desígnio do destino, no início do filme “Premonição 5”. Com uma melodia singular e uma letra igualmente tocante, a mensagem central da música é que o tempo, os sonhos, os planos, enfim, a vida, passam tão rápido como se fossem poeira lançada ao vento.
Eu nunca concordei tanto com essa ideia quanto no início deste ano. 2019 veio nos “banhando de tragédias”, que mostram como a vida é fugaz... Centenas de mortos, vítimas do descaso, em Brumadinho; dez garotos, que poderiam ter sido meus alunos (ou até seus filhos), levados pelas chamas, quando acreditavam estar conquistando seus sonhos; vítimas de catástrofes naturais, doenças psíquicas ou físicas... quantas pessoas deixaram o nosso convívio tão rápido que, para a maioria de nós, é impossível até ver os rastros dessa partida.
De uma forma menos agressiva, mas não menos dolorosa, eu também pude perceber que a vida se esvai, sem ao menos nos deixar um sinal. Em janeiro, soube que uma ex-aluna, de dezenove, talvez vinte anos, faleceu, vítima de um câncer no estômago. Eu conheci essa garota aos doze anos. Era uma boa menina, tímida, mas esforçada na escola, cheia de amigos. Como toda jovem cheia de planos: faria um curso técnico, uma faculdade... já tinha decidido que sua melhor amiga seria madrinha em um futuro casamento... mas seus planos e seus sonhos, com a morte, são apenas poeira ao vento.
Salomão, na Bíblia, já havia dito que na vida tudo é vaidade, que tudo que se busca nesta existência é como correr atrás do vento. Passamos o nosso breve tempo na Terra correndo atrás de conquistas materiais, ideologias, status, convenções sociais, e deixamos de aproveitar as pequenas alegrias que tornariam realmente significativos os breves momentos em que estamos por aqui.
Quando perguntarmos aos pais que perderam filhos, às esposas que perderam maridos, às crianças que ficaram órfãs do que se lembram daqueles que partiram, raramente ouviremos falar de coisas materiais... os vazios são formados pela ausência dos sorrisos, dos abraços e até mesmo das rusgas diárias... é a ausência da vida, sentida, tateada, vivida e não apenas planejada, idealizada.
Ouvir “Dust the wind” me faz querer ficar sempre de olhos abertos. Enxergar com o coração os amigos, os amores, tudo que possibilita, todos os dias, meus sonhos tornarem-se um pouquinho mais reais.
Tão certo quanto eu ser uma pessoa jovem que gosta de músicas antigas, sei que meu momento de partir também vai chegar de forma inesperada, desprevenida, quer seja breve, quer demore muito e eu seja uma pessoa que tenha muitos cabelos brancos e grandes histórias para contar. Eu só espero que faça da minha vida brilhante, envolvente, marcante o suficiente para ficar na memória dos que me amam e daqueles que amei. Que a minha poeira esteja longe da mediocridade, seja imponente e traga, mesmo que breve, um pouco de alegria aos que lembrarem de mim. Se sou poeira, que seja poeira estelar.
Texto escrito em fevereiro/2019.
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